Com o seu clima quente, as suas praias espectaculares e a sua reputação de destino amigável e seguro, Portugal é desde há muito uma escolha de topo para quem procura um ritmo de vida mais calmo.
Desde reformados a jovens famílias e nómadas digitais, milhares de pessoas foram atraídas nos últimos anos pela promessa de um clima ameno durante todo o ano, opções de visto atractivas e um custo de vida mais baixo em comparação com outras partes da Europa ou dos EUA.
E embora Portugal cumpra, sem dúvida, a promessa de uma costa deslumbrante, boa comida e vinho e um ambiente descontraído, a realidade para muitos recém-chegados pode ter um preço psicológico oculto.
Por detrás da ideia idílica de começar uma nova vida ao sol, há muitas vezes uma verdade mais silenciosa e difícil - moldada pela solidão, ansiedade e o peso inesperado do choque cultural.
Grande mudança de vida
Mudar de país não é apenas umas férias prolongadas - é uma grande mudança de vida. Mas muitos recém-chegados subestimam o peso emocional de se verem desenraizados de uma vida onde tudo lhes é familiar.
"Mudar de país é uma mudança enorme e são precisos alguns anos para nos sentirmos realmente instalados", diz Inês Moreira Rato, psicoterapeuta sistémica que trabalha em Lisboa. "É importante construir algum tipo de comunidade. Mas as amizades significativas levam tempo."
Para os não falantes de português, a adaptação à vida aqui pode demorar mais do que o esperado. Embora os habitantes locais sejam muitas vezes simpáticos, os expatriados têm frequentemente dificuldade em estabelecer ligações mais profundas. As barreiras linguísticas podem exacerbar os sentimentos de isolamento, sobretudo quando se trata de lidar com a burocracia e os cuidados de saúde.
A transição também pode trazer à tona questões pessoais não resolvidas. "Mesmo que o sol esteja a brilhar, os mesmos problemas vão aparecer", diz Chris Thomas, um terapeuta que trabalha em Portugal há 18 anos e que está agora baseado em Cascais. "O tempo distrai as pessoas durante algum tempo, mas eventualmente as sombras voltam."
Moreira Rato diz que vê frequentemente clientes que chegam à procura de uma vida mais lenta e com mais significado, mas que subestimam os desafios. "As pessoas idealizam vir para cá e muitas vezes ficam surpreendidas com o que aparece", como dificuldades de relacionamento, problemas de dependência e traumas não processados, diz ela.
'Aborrecido, insatisfeito, solitário e ressentido'
Este fosso entre as expectativas e a realidade pode ser especialmente difícil para os parceiros acompanhantes, muitas vezes mulheres, que se vêem desvinculadas de papéis ou identidades anteriores.
"Os homens parecem muitas vezes muito mais felizes", diz Thomas. "Mas as mulheres dizem frequentemente: 'Esta não é a vida que eu esperava'. Sentem-se aborrecidas, insatisfeitas, solitárias e ressentidas. Algumas dedicaram a sua vida à educação dos filhos e agora sentem-se perdidas sem esse papel central. Sentem falta das relações importantes que tinham no seu país. Muitas mulheres ficam à deriva".
A escritora e psicoterapeuta Mary Fowke, que tem mais de duas décadas de experiência a trabalhar com expatriados em Portugal e atende clientes em Lisboa, diz que a chave para evitar o isolamento é fazer um verdadeiro esforço de integração.
"Uma das maiores armadilhas é não se tornar suficientemente parte da nova cultura para a compreender suficientemente. Essa falta de consciência cultural pode levar a verdadeiros mal-entendidos e conflitos", afirma.
'Viver o sonho'
As dificuldades de adaptação surgem frequentemente de forma gradual. As pessoas podem sentir-se irritáveis, sobrecarregadas ou nostálgicas. É comum sentir-se com pouca energia, perturbações do sono, alterações do apetite ou uma sensação de estar emocionalmente à deriva. A pressão para se sentir feliz porque está a "viver o sonho" pode tornar ainda mais difícil admitir que as coisas não parecem estar bem.
Isto pode levar a um ciclo de ansiedade e evitamento. Tarefas diárias como fazer um telefonema em português ou marcar uma consulta podem desencadear uma sensação de pavor, stress ou impotência. Alguns reagem retraindo-se ou sentindo uma sensação de fracasso. E quando a vida parece boa do ponto de vista exterior, pode ser difícil reconhecer que algo está errado.
"Pode haver um sentimento de vergonha", diz Thomas. "As pessoas no meu país dizem: 'Devias ser feliz! Eu adoraria viver em Portugal', mas isso só torna tudo ainda mais difícil."
As pessoas podem recorrer à bebida, a excessos alimentares ou a outros mecanismos de sobrevivência. Os que têm tendência para a depressão podem ter dificuldade em manter-se à tona sem os sistemas de apoio familiares.
Tensão na relação
As dificuldades com a mudança não afectam apenas os indivíduos - podem colocar sérias tensões nas relações. Os casais subestimam frequentemente o quanto uma mudança pode perturbar a sua dinâmica pessoal, as suas rotinas e a forma como partilham responsabilidades. "Alguns casais esperam que o sol e os tempos livres os aproximem", diz Thomas, "mas, em vez disso, podem evidenciar uma falta de ligação ou expectativas não satisfeitas."
Fowke observa que muitas mulheres querem uma "relação de equipa" em casa e ficam desapontadas quando os seus parceiros não estão suficientemente presentes. A dinâmica parental também pode mudar e alguns expatriados dizem sentir-se afastados dos filhos. Outras pessoas têm dificuldade em manter os laços com a família no seu país de origem, uma vez que as visitas pouco frequentes desgastam os laços.
Procurar ajuda
O acesso a apoio na área da saúde mental em Portugal pode ser um desafio, especialmente para os recém-chegados. Navegar no sistema público de saúde pode ser assustador se não falar português. No entanto, existem atualmente muito mais terapeutas que falam inglês e as atitudes sociais em relação à procura de ajuda mudaram. "Ainda existe um estigma, especialmente para os homens", diz Thomas. "Mas está a mudar. Mais pessoas estão a procurar ajuda. Estar no estrangeiro por vezes torna mais fácil correr esse risco e procurar ajuda."
Os recursos online podem ser um ponto de partida útil. E para aqueles que sentem que falar com um profissional ajudaria, muitos terapeutas de língua inglesa estão agora disponíveis pessoalmente ou online.
Todas as razões para prosperar
Cuidar da sua saúde mental deve ser uma parte fundamental do seu planeamento ao iniciar uma nova vida no estrangeiro - e não apenas algo a considerar quando estiver com dificuldades. Dormir bem, ter uma alimentação adequada, movimentar-se e fazer exercício físico são factores importantes, tal como sair à rua, contactar com velhos amigos e estabelecer novos laços significativos.
Reconhecer precocemente os sinais de alerta - tais como alterações de humor, padrões de sono, níveis de energia, motivação e apetite - pode evitar que as coisas entrem numa espiral. Procure apoio, seja através da família ou amigos, grupos de WhatsApp e Facebook, redes de expatriados, encontros locais ou consultando um terapeuta qualificado. O apoio está sempre lá fora.
"Não é nada fácil para um expatriado num país onde a sua primeira língua não é compreendida e não sabe como obter ajuda", diz Thomas. "Uma das coisas mais importantes é reconhecer que não há problema em não estar bem."
Para quem já sonhou em começar de novo em Portugal, esse sonho ainda pode tornar-se realidade. Mas reconhecer a tensão emocional da mudança pode ajudá-lo a encontrar o apoio de que necessita antes que os problemas se tornem demasiado enraizados.
"Há todas as razões para prosperar aqui", diz Fowke. "Mas não espere até entrar em crise. Pense em cuidar da sua saúde mental como uma parte central da construção de uma nova vida, e não apenas como algo a tratar quando as coisas correm mal."