O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida(CNECV) convidou o Comité Espanhol de Bioética para abordarem em conjunto um tema "muito preocupante para os dois países": Escolheram a influência da dependência digital na saúde das crianças e jovens, disse à Lusa a presidente do CNECV.
Maria do Céu Neves acredita que o parecer pode ser "um contributo importante para as iniciativas" que estão a decorrer.
No Parlamento Europeu (PE), por exemplo, os eurodeputados aprovaram um relatório que defende uma idade mínima de 16 anos para aceder às redes sociais sem consentimento dos pais nos 27 países da União Europeia (UE) e mecanismos para fazer cumprir esta regra.
Questionada sobre se a solução deve passar pela proibição ou pela educação, Maria do Céu Patrão Neves defende que "não há só duas alternativas".
Mas a proibição "não deve ser completamente descartada", uma vez que as crianças estão cada vez mais a ter "acesso a sites pornográficos, a sites com uma violência extraordinária, onde tudo o que não deveria ser considerado experiências impróprias para aquela idade, ou talvez para qualquer idade, é banalizado", alerta.
Trata-se de uma opinião pessoal, uma vez que o trabalho das duas comissões de ética ibéricas só estará concluído em janeiro.
No verão, apresentaram em Varsóvia uma versão preliminar do relatório "Perspectivas éticas sobre o impacto da dependência digital na saúde das crianças e dos jovens".
Nessa altura, já havia recomendações dirigidas ao Estado, à sociedade civil, às empresas, às escolas e às famílias.
Começando pelas famílias
De acordo com o presidente do CNECV (Comité Nacional de Ética para os Cuidados de Saúde), o trabalho começa na família: "Preocupa-nos ver crianças muito pequenas, ainda de fraldas, com os telemóveis dos pais nas mãos e estes completamente desligados dos filhos", exemplifica.
Uma em cada três crianças portuguesas entre os 9 e os 11 anos acede à Internet através de um smartphone "várias vezes por dia", passando duas horas por dia em linha (119 minutos), de acordo com a investigação realizada em 19 países, "EU Kids Online 2020", e citada na apresentação em PowerPoint em Varsóvia.
Entre as crianças mais velhas, o tempo médio em linha dispara, atingindo quase quatro horas por dia no caso dos adolescentes com 15 e 16 anos.
Na versão preliminar apresentada em julho, as duas comissões defendem que a utilização dos ecrãs deve ser sempre supervisionada e monitorizada e que os pais devem estabelecer "horários e limites claros para o tempo de utilização dos ecrãs", especialmente quando as crianças têm menos de seis anos.
Os ecrãs não devem ser permitidos nos quartos durante a noite e devem estar inacessíveis pelo menos uma hora antes de ir para casa, de acordo com a versão, que pode ainda ser sujeita a alterações.
Responsabilidade
"Os pais não podem abdicar da sua responsabilidade; têm de dar o exemplo. Mas também não podemos ignorar a grande pressão dos pares, ou seja, das crianças e jovens, que também induzem determinados tipos de comportamento", lembra.
Por isso, é fundamental falar com as crianças e oferecer alternativas como o desporto, a música ou outras actividades, defende a presidente do CNECV.
As duas comissões sugerem que a sociedade civil crie "Centros Locais de Literacia Digital para Famílias em bibliotecas e centros de saúde, com workshops para pais, encarregados de educação e crianças", diz a apresentação em PowerPoint.
Aos governos, recomendam que se torne obrigatória a classificação de aplicações e jogos digitais e a "criação de uma rede social financiada por recursos públicos".
Na versão preliminar, as duas comissões defendem que as empresas tecnológicas devem garantir a proteção dos menores e regular a utilização de dados, a privacidade e o desenvolvimento de algoritmos.
Educação
Nas escolas, deve ser dada formação e deve ser criada uma disciplina de Cidadania Digital.
Além disso, deve haver limitações ao uso de telemóveis, com "possíveis proibições" até ao 5º ano e "regulamentação rigorosa" no 3º ciclo, ou seja, entre o 7º e o 9º ano.
Em Portugal, o Governo avançou este ano letivo com a proibição da utilização de smartphones dentro do recinto escolar até ao 5º ano de escolaridade.
No inquérito "EU Kids Online 2020", Portugal destaca-se negativamente no acesso às redes sociais, com 38% das crianças entre os 9 e os 11 anos a utilizarem diariamente as redes sociais, o que está dez pontos percentuais acima da média dos países inquiridos.
Quase oito em cada dez crianças (78%) dos 12 aos 14 anos utilizam diariamente as redes sociais, tal como 88% dos jovens dos 15 aos 16 anos.
Também nos jogos online, as crianças portuguesas passam muito mais tempo coladas aos ecrãs do que a média dos países inquiridos, com quase metade das crianças a jogar diariamente.








